De cima e da Baixa

Sexta-feira santa.




A Primavera a chegar a Uma Casa Portuguesa, na Rua Anchieta









Erstes Mal in Berlin


Brandenburger Tor

Faz agora dez anos que estive pela primeira vez em Berlim: uma semana de congresso e uns passeios nos fins de tarde que, em Março, são sempre curtos.
Em 1998, era Berlim há menos de nove anos uma cidade inteira, sem muro, mas com muitas obras para refazer tudo o que a guerra fria (depois da outra) tinha desfeito. Havia gruas e buracos por todo o lado, mas os alemães, com um pragmatismo impecável, não pareciam nada incomodados: alguém me disse que era bom haver obras, era sinónimo de progresso e de um futuro melhor, no que não deixava de ter razão. Mais do que isso, todas aquelas obras eram um motivo de orgulho: as de Potsdamer Platz, então, o maior estaleiro a céu aberto da Europa, tinham direito a lugar em t-shirts e postais turísticos, com inscrições do tipo "Ich war da".


Potsdamer Platz

Paralelamente, por todo o lado se rifava o espólio comunista, adereços e acessórios militares, selos, moedas e restos de entulho colorido, enquadrado de toda a maneira -- dentro de frasquinhos, em molduras várias, colado em postais ilustrados, com um ar mais ou menos genuíno, com ou sem certificado de autenticidade de pertença ao muro. Há quem saiba tirar partido de tudo.
O tempo estava muito frio, mas bonito e luminoso. Ainda conseguimos dar uns passeios simpáticos, frequentemente já sem luz compatível com registos fotográficos aceitáveis:

> Unter den Linden é uma sumptuosa avenida europeia ao estilo boulevard, com o nome mais bonito que já conheci, literalmente "Sob as Tílias". É ladeada por edifícios de ar imperial, da época prussiana, e monumentos vários, que me impressionaram, sobretudo, vistos de muito perto: pareciam enormes construções infantis, coladas pecinha a pecinha, com marcas de balas, a recordar que a cidade foi quase totalmente destruída, em 1945. É uma sensação estranha, ter uma guerra já distante assim tão perto, ainda a cheirar a destruição. Ao fundo, a Catedral (Berliner Dom) estava ainda em reconstrução. Exibia uma exposição de posters com as várias eras do templo -- é de facto uma sensação estranha.

> A Porta de Brandenburgo (Brandenburger Tor), em Pariser Platz, ao cimo da Unter den Linden, abre para a Straße des 17. Juni, mas passou uma parte razoável do século passado fechada pelo muro.


Straße des 17. Juni

> A Straße des 17. Juni atravessa o Tiergarten, o pulmão da cidade, e leva-nos à grande rotunda Großer Stern, no centro da qual se ergue a Coluna da Vitória (Siegessäule), encimada pela dourada deusa da Vitória, carinhosamente apelidada de Gold-Else. Fiz o percurso de autocarro, contornando a rotunda, para poder apreciar a estátua em movimento, como no filme de Wim Wenders.

> Ainda do antigo lado ocidental, a movimentada avenida Kurfürstendamm (o Kudamm); a Igreja da Memória (Kaiser-Wilhelm-Gedächtnis-Kirche), deixada parcialmente destruída para recordar a guerra; o KaDeWe (acrónimo de Kaufhaus des Westens), o maior símbolo do crescimento económico de Berlim Ocidental (e, consequentemente, a maior afronta aos vizinhos do lado), 60.000 m² de paraíso consumista, espalhado por sete andares; e pouco mais, que o tempo era pouco.


Pergamonmuseum

> Do lado do antigo leste, na outra extremidade da Unter den Linden, a Ilha dos Museus (Museumsinsel), um complexo de museus com magníficas colecções arqueológicas e de arte do século XIX, classificado pela UNESCO, actualmente em processo de reconstrução e modernização. Visitámos o Pergamonmuseum. É um museu impressionante, construído à imagem e em torno do altar de Pérgamo (ainda hoje reclamado pela Turquia). A sala principal é de tirar o fôlego, mas não foi só o altar de Pérgamo que foi transportado e reconstruído, pedra por pedra, dentro do museu: também lá podemos apreciar as Portas do Mercado de Mileto, a Fachada de Mshatta, a grandiosa Porta de Ishtar e o Caminho Processional de Babilónia. O museu encontra-se organizado em três partes: a Colecção de Arte da Antiguidade Clássica, o Museu do Médio Oriente e o Museu de Arte Islâmica.

> O Gendarmenmarkt, considerado uma das praças mais bonitas da Europa, dominada por três edifícios imponentes: a Catedral Francesa (Französischer Dom), a Catedral Alemã (Deutscher Dom) e, ao centro, a Sala de Concertos (Konzerthaus, antiga Schauspielhaus). Lembro-me que, não sei porquê, não conseguíamos dar com o sítio. Lá o encontrámos, depois de um serão inteiro às voltas.


Fernsehturm

> Alexander Platz, o coração de Berlim Leste, e a Torre da Televisão (Fernsehturm), a mais alta construção da cidade (368 m, com a antena incluída) e o melhor miradouro (203 m, na plataforma panorâmica, por baixo do café rotativo). Para nosso azar, no dia em que decidimos fazer a subida começou a chover -- de cima, conseguimos ver, sobretudo, nevoeiro.

> Na confluência dos sectores americano, britânico e soviético, a Potsdamer Platz, em tempos uma das mais movimentadas praças da Europa, viu-se convertida em terra de ninguém, um espaço árido, atravessado pelo Muro. Após a queda deste, a 9 de Novembro de 1989, foi iniciado um gigantesco processo de construção, com vista a transformá-la num novo centro nevrálgico da cidade. Foi inaugurada em Outubro de 1998; em Março, era ainda um gigantesco estaleiro.

> Já no final da semana, encontrámos, meio escondido, para os lados de Potsdamer Straße, um pedaço do muro, que nos serviu de fundo a poses várias.


Die Mauer

Curiosidade: a surpresa de não ter conseguido encontrar água mineral engarrafada, mas apenas água gaseificada. Os berlinenses admiravam-se, quando a pedíamos. Lembro-me que uma colega pediu, uma vez, um expresso e um copo de água (para adicionar ao café, que era extremamente forte) -- serviram-lhe um copo de água com gás. Um dia explicaram-me, finalmente, que a água da rede era muita boa (a mim, sabia-me mal) e que, quando queriam beber água, bebiam-na em casa. Claro, foi exactamente o que eu fiz, só que tive de esperar uma semana.


Uma avenida vista de um autocarro

Quadrados


Armazéns do Socorro, Rua de S. Lázaro, Lisboa

Vivi dez anos num 3º andar cujas janelas de trás davam para os quintais do quarteirão, um quadriculado de hortas, escadas de serviço, capoeiras, cães, árvores, flores, arrecadações, muros e gatos ao sol. Tive dez anos o privilégio do sossego e de acordar com o cantar do galo, no centro de uma cidade de cerca de 200 mil habitantes (em Janeiro, era mais o cio dos gatos a acordar os cães, que assarapantavam os patos, que espavoriam as galinhas, que sobressaltavam os pássaros e despertavam os galos, que acordavam a vizinhança furiosa). O todo que eu via de cima era cercado por prédios de 3 ou 4 andares, construídos aparentemente entre os anos 30 e 80. Uma excepção: uma casinha saloia, branca, com alpendre de telha à entrada e passarinhos nos beirais - para trás, um quintal fresco, com árvores, flores, uma capoeira, uma arrecadação, um cão, gatos espreguiçados em cima do muro e um poço, que fazia as minhas delícias em criança, quando, da janela da cozinha da avó, contemplava aquele conjunto bucólico.
No final dos anos 70, após a morte da dona da casa, o genro, engenheiro, ao que se dizia no bairro, resolveu aproveitar os cobres herdados e os amigos na câmara para fazer obras de remodelação e ampliação: uma cozinha moderna e, utilizando o declive do terreno, uma sala por baixo era o que se conseguia ver das traseiras, assim como o poço tapado e o pavimento de aparas de mármore (escaparam duas oliveiras, creio). Mas o que mais me chocou nem foi a brutalidade saliente daquela cozinha disforme, nem o verde que foi invadindo o mármore do quintal transformado em terraço, nem a lusalite que substituiu a telha no alpendre, que eu nem via da janela - o pior mesmo foram os azulejos de grandes florões azul cobalto que cobriram toda a casa. É que, devido ao tal declive do terreno, a casinha térrea ficava ao nível do 3º andar que eu habitei toda a década de 90, durante a qual, consequentemente, senti a minha cozinha emparedada por uma casa de banho.
Escusado será dizer que nunca mais vi com bons olhos aqueles revestimentos cerâmicos que, nos anos 70, vieram alegremente e em força substituir a pastilha, que, caindo progressivamente das paredes e em desuso, entra hoje nos interiores de design exclusivo.
Um dia, alguém me disse que há azulejos e azulejos e me ensinou a ver os remates e acabamentos, as cercaduras, os motivos e as cores que fazem a diferença. Mas a minha vida tomou outros rumos e os granitos, primeiro, e a cal branca e os rodapés amarelos, depois, criaram um novo enquadramento à minha volta. Os azulejos, para o bem e para o mal, ficaram esquecidos.
Até que, um dia, os quadrados da Rosa Pomar entraram no meu computador, através das suas belíssimas colecções de azulejos e mosaico hidráulico. E dei por mim a reparar nos revestimentos de parede e chão, sem conseguir fugir às tentações do disparo e do plágio. Tenho já uma colecçãozinha simpática, de que deixo aqui uma amostra.

Quatro paredes de azulejo, três na Rua de S. Lázaro, em Lisboa, uma na estação ferroviária do Entroncamento; mosaico hidráulico numa casa particular, em Portalegre, e na igreja de S. Francisco, em Alburquerque, Espanha

Desvios (III)

Continuando a meter o nariz em todo o lado.


Fronteira, 29 de Fevereiro de 2008


Barragem dos Minutos, Montemor-o-Novo, 2 de Março de 2008


Campos de Março com a Barragem dos Minutos ao fundo


Barragem do Divor, Arraiolos, 2 de Março de 2008

Às vezes, as setas castanhas são como a publicidade enganosa, prometem muito e dão muito pouco. Foi o caso dos Menires da Pedra Longa, em Montemor-o-Novo, que, estando em terreno privado, não pudemos ver, e das antas, na direcção de Igrejinha, em Arraiolos, que não conseguimos sequer localizar. Isto das indicações rodoviárias que desaparecem de repente ou que não levam a lado nenhum também tem que se lhe diga.